Sixto Rodriguez, em foto de seu primeiro disco (1971)
Uma certeza: o mundo ainda é grande. Ainda dá pra acontecer coisas de um lado do mundo sem que o outro saiba em tempo real. Sixto Rodriguez é um grande exemplo disso: cantor e compositor folk, nascido em Detroit, em 1942, descendente de mexicanos mestiços, talvez teve, por único "pecado" não fazer o que muitos brasileiros da década de 70 fizeram: trocar seu nome por um pseudônimo tipicamente americano. É a preconceituosa e xenofóbica sociedade dos EUA, que jamais daria atenção a um disco com um nome (e um homem) tipica e claramente latino na capa.
Então, o mundo ficou sem a genialidade de Rodriguez até 1998, quando dois fãs, encucados com os boatos de sua "trágica" morte (não se sabia se havia atirado ou ateado fogo em si mesmo em pleno palco, após uma apresentação ruim e humilhante), conseguiram encontrá-lo. Curiosamente, a África do Sul dos tempos de Apartheid encontrou em suas letras e voz uma representatividade semelhante aos ícones da MPB durante a ditadura. Rodriguez era o hino da juventude e daqueles que desejavam o fim da opressão. Virou uma lenda no país, literalmente. Nos EUA, praticamente ninguém ouvira falar dele.
N África do Sul não se sabia absolutamente nada além do que a própria capa e encarte do disco traziam. Sequer sabiam de onde ele era. Depois de um verdadeiro trabalho de detetive com a sempre grandiosa ajuda da internet, Craig Bartholomew Strydom e Stephen 'Sugar' Segerman conseguiram chamar a atenção de uma das filhas do artista, que trabalhava na construção civil, em Detroit, desde a década de 70, como qualquer anônimo. Daí em diante foi uma história incrível de uma pessoa que se descobriu uma estrela da noite para o dia. Rodriguez era maior que Bob Dylan ou Elvis na África do Sul, e todos acreditavam na ideia de que havia se suicidado.
O povo sul-africano custou a acreditar que seu grande ídolo estava vivo e iria se apresentar por lá. Era como levantar do túmulo. Algo como anunciarem no Rock in Rio um show do Raul Seixas, ou do John Lennon... Hoje! O documentário conta essa história, com imagens reais, até a volta do Sixto dessa primeira série de shows na África do Sul. Curiosamente, voltou a trabalhar e viver de forma modesta, não se sabe se até hoje, aos 72 anos. Fica no ar a dúvida de onde foi parar todo o dinheiro que deveria ter recebido, somado a um arrogante depoimento de Clarence Avant, figurão da Sussex Records, sugerindo que, como sempre, as gravadoras fizeram seu trabalho: explorar e sugar até a última gota de sangue dos seus artistas, e dormirem tranquilamente todas as noites.
O documentário ganhou prêmios, como o Oscar de melhor documentário em longa-metragem, em 2013, o que devolveu um pouco do merecido prestígio de Rodriguez. Claro, muita gente ainda não faz ideia da sua existência. Hoje ele poderia ser como Bob Dylan, se tivesse recebido um pouco de atenção por parte da sua gravadora. Já sabemos que não existe música boa ou ruim para o mercado: existe apenas a decisão de investir na divulgação de X ou Y, daí a ascensão e monopólio apenas de determinados gêneros musicais na TV aberta brasileira atualmente. Rodriguez sempre foi bom, suas músicas são comercialmente rentáveis, mas... Seu nome é RODRIGUEZ, e não Smith, Presley, Jackson ou Dylan.
A lição que se tira é a de que quando se constrói algo, mesmo que tudo caia em ruínas ou pareça perdido, há um pouco de esperança injetada no que se construiu, como uma mensagem numa garrafa jogada ao mar por um náufrago. Mesmo que demore muito a ponto de não sobreviver para ver, a garrafa chegará a alguém que lerá a mensagem e passará adiante. Sixto lançou sua garrafa ao mar na década de 70 e desistiu de esperar que alguém a encontrasse. Antes de sua extraordinária história, ele tem seu talento. De nada valeria encontrar sua garrafa se a mensagem fosse vaga ou não houvesse nada em seu interior: Sixto Rodriguez é sim um gênio que foi boicotado quando deveria ter conquistado seu espaço junto aos grandes. Passar adiante sua mensagem torna-se, então, uma espécie de dever a todos nós, que buscamos e defendemos a boa música.
Site oficial do Sixto Rodriguez: http://www.rodriguez-music.com/
Confira o trailer do filme (ironicamente, seu diretor, Malik Bendjelloul se suicidou, em 2014):
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Então, o mundo ficou sem a genialidade de Rodriguez até 1998, quando dois fãs, encucados com os boatos de sua "trágica" morte (não se sabia se havia atirado ou ateado fogo em si mesmo em pleno palco, após uma apresentação ruim e humilhante), conseguiram encontrá-lo. Curiosamente, a África do Sul dos tempos de Apartheid encontrou em suas letras e voz uma representatividade semelhante aos ícones da MPB durante a ditadura. Rodriguez era o hino da juventude e daqueles que desejavam o fim da opressão. Virou uma lenda no país, literalmente. Nos EUA, praticamente ninguém ouvira falar dele.
N África do Sul não se sabia absolutamente nada além do que a própria capa e encarte do disco traziam. Sequer sabiam de onde ele era. Depois de um verdadeiro trabalho de detetive com a sempre grandiosa ajuda da internet, Craig Bartholomew Strydom e Stephen 'Sugar' Segerman conseguiram chamar a atenção de uma das filhas do artista, que trabalhava na construção civil, em Detroit, desde a década de 70, como qualquer anônimo. Daí em diante foi uma história incrível de uma pessoa que se descobriu uma estrela da noite para o dia. Rodriguez era maior que Bob Dylan ou Elvis na África do Sul, e todos acreditavam na ideia de que havia se suicidado.
O povo sul-africano custou a acreditar que seu grande ídolo estava vivo e iria se apresentar por lá. Era como levantar do túmulo. Algo como anunciarem no Rock in Rio um show do Raul Seixas, ou do John Lennon... Hoje! O documentário conta essa história, com imagens reais, até a volta do Sixto dessa primeira série de shows na África do Sul. Curiosamente, voltou a trabalhar e viver de forma modesta, não se sabe se até hoje, aos 72 anos. Fica no ar a dúvida de onde foi parar todo o dinheiro que deveria ter recebido, somado a um arrogante depoimento de Clarence Avant, figurão da Sussex Records, sugerindo que, como sempre, as gravadoras fizeram seu trabalho: explorar e sugar até a última gota de sangue dos seus artistas, e dormirem tranquilamente todas as noites.
O documentário ganhou prêmios, como o Oscar de melhor documentário em longa-metragem, em 2013, o que devolveu um pouco do merecido prestígio de Rodriguez. Claro, muita gente ainda não faz ideia da sua existência. Hoje ele poderia ser como Bob Dylan, se tivesse recebido um pouco de atenção por parte da sua gravadora. Já sabemos que não existe música boa ou ruim para o mercado: existe apenas a decisão de investir na divulgação de X ou Y, daí a ascensão e monopólio apenas de determinados gêneros musicais na TV aberta brasileira atualmente. Rodriguez sempre foi bom, suas músicas são comercialmente rentáveis, mas... Seu nome é RODRIGUEZ, e não Smith, Presley, Jackson ou Dylan.
A lição que se tira é a de que quando se constrói algo, mesmo que tudo caia em ruínas ou pareça perdido, há um pouco de esperança injetada no que se construiu, como uma mensagem numa garrafa jogada ao mar por um náufrago. Mesmo que demore muito a ponto de não sobreviver para ver, a garrafa chegará a alguém que lerá a mensagem e passará adiante. Sixto lançou sua garrafa ao mar na década de 70 e desistiu de esperar que alguém a encontrasse. Antes de sua extraordinária história, ele tem seu talento. De nada valeria encontrar sua garrafa se a mensagem fosse vaga ou não houvesse nada em seu interior: Sixto Rodriguez é sim um gênio que foi boicotado quando deveria ter conquistado seu espaço junto aos grandes. Passar adiante sua mensagem torna-se, então, uma espécie de dever a todos nós, que buscamos e defendemos a boa música.
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