A Política (André Comte-Sponville) - Resenha


A obra Apresentação da Filosofia (2002), de autoria do filósofo francês André Comte-Sponville, é voltada ao público leigo e interessado em conhecer a vastidão da filosofia, como o próprio título denuncia. Fruto de uma série de textos introdutórios, “Cadernos de Filosofia”, voltados inicialmente a adolescentes (os quais, segundo o autor, devem ser orientados ao exercitarem o filosofar), traz, em doze capítulos, abordagens conceituais acerca de temas básicos, como a moral, a morte, a liberdade, Deus, o tempo e o próprio homem. Comte-Sponville publicou vasta obra desde a década de 80, sendo a ele atribuídos termos como materialista, racionalista e humanista ao se definir sua inclinação filosófica. 

O capítulo analisado, A Política (2), faz uma interessante abordagem introdutória sobre o conceito de política, chamando a atenção para certos lugares-comuns, como a não-necessidade de política, a unanimidade negativa sobre os agentes políticos e, com isso, a própria noção de sociedade e Estado, desconstruindo tais máximas, encontradas facilmente em quaisquer ambientes sociais. Afirma ser a política um importante elemento “para que os conflitos de interesses se resolvam sem recurso à violência” (p. 27) e a existência do Estado “não porque os homens são bons ou justos, mas porque não são” (idem). Dessa forma, explica ser, aquele que não se interessa por ela, na verdade não ser interessado em nada.

Comte-Sponville segue levantando a política como a “arte de viver juntos, num mesmo Estado (…), com pessoas que não escolhemos” (p. 28) buscando a harmonia. Portanto, há de se supor a existência de uma entidade mediadora de conflitos e criadora de regras universais dentro dos limites de sua soberania, o Estado. A obediência a ele, segundo o autor, se dá não para que o cidadão seja diminuído e oprimido, mas para que o estado legitime e proteja sua liberdade, por isso a obediência a ele é legítima e necessária. Nesse ponto, a política já se mostra indispensável, já que é justamente ela que tornará possível a coexistência dos diferentes pontos de vista acerca dessa sociedade, sem que seja necessário o emprego da lei do mais forte, típica do estado de natureza, apontado por Hobbes.

O autor traz uma forma bastante clara de situar a política: ela nasce do conflito entre pessoas, da discordância. Quando há consensos acerca de quaisquer temas, não há política, cujo objetivo é reunir as pessoas através justamente da oposição de pontos de vista. Por isso, afirma: “engana-se quem anuncia o fim da política: seria o fim da humanidade, o fim da liberdade, o fim da história, que, ao contrário, só podem (…) continuar no conflito aceito e superado.” (p. 29). Tal raciocínio a coloca exatamente no ponto oposto ao estado natural, caracterizando-se como elemento essencial no conceito de civilização, onde o homem nega a natureza, abre mão da liberdade plena e, para o bem e conveniência coletivos, se submete a certo conjunto de regras para que, em conjunto, sobreviva com segurança e conforto.

Nesse sentido, é um grande equívoco um membro dessa sociedade simplesmente virar as costas à política. Como reivindicar melhorias e cobrar medidas justas sem fazer uso dela? Não haveria cidadania sem política, e sim a simples e dura lei do mais forte, citada anteriormente. E quando os agentes políticos não cumprem com o que deles se espera, é que o cidadão deve exercê-la com veemência. Um ser apolítico na verdade é uma espécie de suicida social, que abre mão de seus próprios interesses.

Comte-Sponville também enfatiza a necessidade de se ter bem clara em mente os limites da política, não confundindo-a, por exemplo com a moral, que carrega em si virtudes como a generosidade. A política não trata de bondade, e sim de conciliar de forma inteligente os vários egoísmos humanos de forma que o coletivo tire proveito disso e cresça. “Você poderia preferir que a moral bastasse, que a humanidade bastasse: você poderia preferir que a política não fosse necessária. Mas estaria se enganando sobre a história e se mentindo sobre nós mesmos.” (p. 31)

Importante destacar a diferenciação, pelo autor, de solidariedade, presente na política, de generosidade. A primeira pressupõe a defesa dos interesses do outro, no sentido de estes também serem os meus, num sentimento de troca, onde o coletivo se beneficia. Já a generosidade pressupõe a defesa dos interesses do outro, ainda que o eu não os compartilhe, num sentimento de doação. Segundo o texto, solidariedade é uma virtude política, enquanto generosidade é uma virtude moral, altruísta, que não deve ser confundida com política.

Nesse sentido, uma eleição não é, em regra, um confronto maniqueísta, mas uma oposição de grupos e ideias, para a manutenção do Estado, mas não necessariamente ligado a conceitos morais, que trazem conceitos. A política é independente, pois traz soluções para problemas. Os profissionais da política, segundo o autor, ao mesmo tempo em que devem ser celebrados, devem ser vigiados. A vigilância, aliás, é o ofício de cada cidadão, sem que se torne sinônimo de ridicularização, do agente e do sistema. Ser vigilante é, ao mesmo tempo, nem crer cegamente, nem condenar sem critérios concretos.

Por fim, Comte-Sponville defende que a sociedade humana seja refeita constantemente, ainda que não totalmente, seguindo as mudanças do mundo, para que se construa a história não confiando apenas no destino. Este é uma bela amostra de como questões fundamentais acerca da sociedade humana podem ser abordadas de forma simples, mas não pobre, a leigos e jovens em geral. É um texto que deve ser visitado periodicamente, mesmo por iniciados, para que não se perca de vista a essência da política, devido a paixões, conceitos e “ondas coletivas”.


COMTE-SPONVILLE, André. Apresentação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. P. 27-36.


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