"Operários" (Tarsila do Amaral, 1933) |
O caput
do
art. 5º da Constituição
Federal não deixa dúvidas: “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza”, porém, o que se vê, na
prática, nem sempre condiz com a nossa maior lei: diariamente a
Imprensa denuncia abusos, manobras e autoridades criando pomposas
justificativas com o claro objetivo de manter impunes figurões da
política ou influentes empresários. Por outro lado, é senso comum
a afirmação de que a parcela da população desprovida de grande
poder aquisitivo não raro é vítima de excessos e condenações
prematuras.
Direito
e
cidadania
são duas palavras intimamente relacionadas. Quando um cidadão é
privado do acesso a uma, automaticamente sua relação com a outra é
prejudicada, o que é gravíssimo e torna necessária a discussão
por parte de todos. O objetivo deste texto é, ao menos, despertar nos leitores, o interesse por essa
questão. O estudante e o operador do Direito não
devem ter por meta apenas sua realização profissional individual: o
acadêmico traz em si a responsabilidade da transformação social,
através de pequenas (ou nem tanto) contribuições.
Tal tema é de tamanha
importância que é capaz de por em cheque as bases da estrutura
jurídica brasileira. Por que a Constituição não é cumprida?
Quais as consequências de tal realidade? Como ela interfere no
cotidiano da população e como esta reage, em suas diversas
subdivisões? E como o cidadão comum poderia resgatar seus direitos
e contribuir para uma sociedade realmente fiel ao texto de sua Lei
Maior?
CIDADANIA
A
cidadania credencia o cidadão a atuar na vida efetiva do Estado
como partícipe da sociedade política. O cidadão passa a ser
pessoa integrada na vida estatal. A cidadania transforma o indivíduo
em elemento integrante do Estado, na medida em que o legitima como
sujeito político, reconhecendo o exercício de direitos em face do
Estado. (SIQUEIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016, p. 231).
Muito
se ouve falar em cidadania,
especialmente na mídia televisiva, ao se referir a premissas
antivandalismo ou à preservação do patrimônio público.
Entretanto, este é um conceito consideravelmente mais abrangente e
complexo, ignorado pela maioria da população brasileira. Em linhas
gerais está intimamente ligado à ideia de participação
na vida coletiva. Isso inclui, desde as tais ideias-clichê já
citadas, passando pelos direitos e deveres civis, participação
política (incluindo a partidária), econômica, social e,
obviamente, jurídica. Ser cidadão é carregar em si o espírito da
humanidade organizada, que abriu mão da liberdade total do nomadismo
na natureza em troca dos benefícios da vida sob a jurisdição do
Estado. Ser cidadão é, em sentido amplo, ter direitos e deveres
para com esse contexto. Ao abrir mão de parte de sua liberdade, o
homem tomou para si a responsabilidade,
fator que, numa sociedade onde a educação é considerada apenas em
segundo, terceiro plano, tende a ser instintivamente repelido pelo
senso comum, criando um círculo vicioso: o Estado não provê como
deveria, o povo não o pressiona (por ausência de consciência
social e ignorância simples) e a geração seguinte surge ainda mais
deficitária e distante do conceito original, que é a participação
em prol do coletivo para, então, fertilizar o ambiente para as
liberdades e vocações individuais.
FATORES
ECONÔMICOS E EDUCAÇÃO
Um
dos principais indicadores de desenvolvimento é o número de pessoas
pobres, com renda insuficiente para o atendimento das necessidades
básicas. Esse indicador afeta o crescimento do setor de mercado
interno, pois sua dimensão depende tanto do tamanho da população,
como de seu poder aquisitivo. Esse setor amplia-se, portanto, com a
redução da pobreza. (SOUZA, 2012, p. 9)
O
descaso com a educação, conforme visto anteriormente, cria uma
sociedade cada vez mais carente e refém da ética e moral dos
detentores do poder: condenada a exercer as funções mais
subalternas e menos intelectualizadas, a grande
massa
simplesmente aceita “de bom grado” o que lhe é oferecido: seja
sob a forma de produtos e serviços de má qualidade (sem que haja
sequer a hipótese de se rejeitar/boicotar ou reclamar por direitos),
elementos culturais duvidosos ou mesmo opostos ao conceito de
educação
promovidos pelo sistema educacional como um todo. Um cidadão que
desconhece sua condição enquanto tal jamais cobrará ações
construtivas de políticos e iniciativa privada. A própria educação
básica de boa qualidade já não se encontra, há tempos, disponível
gratuitamente. O ensino privado, de alto custo, é privilégio de
poucos que, curiosamente, ocupam a maioria das vagas em universidades
públicas, ainda detentoras de um bom status
de qualidade. O Estado, por sua vez, ciente de tal situação, não
se ocupa em melhorar a educação básica: prefere praticar populismo,
ao criar sistemas de cotas para pessoas em situação de desvantagem.
O sistema se autoalimenta, mesmo com a chance e poder de resolver os
problemas essenciais.
ACESSO
À JUSTIÇA
“Num
país em que o povo não saiba dos direitos e o Poder Público não
deseje este conhecimento, o direito nunca passará de mera
possibilidade legal a serviço dos poderosos de ocasião” (ROCHA,
1993, p. 34). O acesso ao Direito, ou à Justiça nunca foi tarefa
fácil, mesmo aos não-pertencentes às parcelas mais carentes da
população. A própria terminologia é exclusiva. A burocracia do
Estado cria barreiras sólidas. A falta de informação (mais uma vez
voltamos ao problema da educação) consolida um “universo”
distante e incompreensível aos leigos. Isto é consideravelmente
ampliado quando relacionado à população carente. Diariamente
verifica-se centenas de casos de abusos que são “engolidos em
seco” simplesmente pelo total desconhecimento de direitos por parte
do prejudicado. Isto se verifica na relação
consumidor-produtor/prestador, na esfera penal, cível, em questões
previdenciárias, administrativas (o descumprimento do princípio
administrativo da eficiência,
citado no art. 37, caput, da Constituição Federal e art. 116 da Lei
8.112/90, por exemplo) ou mesmo quanto à qualidade da programação
oferecida, por concessão da União, pelas emissoras de TV aberta,
onde, segundo o art. 38 da lei 4117/62 (Código Brasileiro de
Telecomunicações, ainda vigente),
os
serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das
empresas de radiodifusão estão subordinadas às finalidades
educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos
superiores interesses do País.
Diante
desse quadro, é possível vislumbrar uma pequena dimensão da
gravidade situacional: o fator econômico, intrinsecamente atrelado
ao educacional, revela-se como parte fundamental dos problemas
estruturais enfrentados pela sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em: 05 mai. 2018.
BRASIL.
Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962. Institui o Código Brasileiro
de Telecomunicações. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4117.htm#lei4117>.
Acesso em: 05 mai. 2018.
BRASIL.
Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime
jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e
das fundações públicas federais. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8112cons.htm>.
Acesso em: 05 mai. 2018.
COSTA
NETO, José Wellington Bezerra da. Acesso
à justiça e carência econômica.
2012. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) - Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível
em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-22042013-141734/pt-br.php>.
Acesso em: 05 mai. 2018.
ROCHA,
Cármen Lucia Antunes. Direito
constitucional à jurisdição. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo
Teixeira (Coord). As
garantias do cidadão na justiça.
São Paulo: Saraiva, 1993.
SIQUEIRA
JR, Paulo Hamilton; OLIVEIRA, Miguel Augusto Machade de. Direitos
humanos: liberdades
públicas e cidadania. São Paulo: Saraiva, 2016.
SOUZA,
Nali de Jesus de. Desenvolvimento
econômico.
São Paulo: Atlas, 2012.
VERSÃO ZINE
0 Comentários
Qual sua opinião a respeito deste post?