Ética
é um termo amplamente utilizado no dia-a-dia, sem despertar grande curiosidade:
parece óbvio o consenso de que está ligada ao agir corretamente, demonstrando,
aí, aqueles dotados ou não do chamado bom
caráter. Tal conceito, cunhado pelo senso comum e passado adiante há
gerações, embora superficialmente, não dista do conteúdo originário.
Aristóteles
desenvolveu consistente estudo acerca da ética, enquanto forma essencial de se
alcançar a eudamonia, o seu conceito ideal de vida, equilibrada e moderada. A
partir de então, diversos foram os pensadores que se ocuparam do
desenvolvimento do conceito de ética, contribuindo para a formação social
atual, demonstrando ser o senso comum muito mais profundo do que aparenta.
A
ética, basicamente, pode ser abordada sob três aspectos: 1) a ciência da moral,
sendo esta o conjunto de costumes que servem de referência a determinados
grupos sociais (religiosos, étnicos, regionais, etc.), explicitando o que será
ou não aceitável, criando, assim, características essenciais que distinguirão
este daquele grupo, inclusive no aspecto jurídico, como veremos adiante; 2) A
ética como ramo da filosofia que aborda a moral sob o viés da razão, e 3) como
a ciência da conduta, ou seja: o estudo do comportamento social de acordo com
as regras morais de cada grupo.
Cabe,
então, atentar para que não se confunda a ética com a moral, já que não é
possível isolar uma da outra: enquanto a ética possui um caráter universalista
(a lei que se aplique a todos, segundo Kant), com princípios básicos, objetivando
uma vida satisfatória generalizada, a moral é voltada a grupos, ou melhor: é
criada por grupos, podendo, assim, possuir valor oposto de um lugar para o
outro. A moral mostra-se, portanto, com importante fator para a diferenciação
cultural em vários níveis.
Entrando,
agora, ao campo do Direito, que também pode ser definido por mais de um
aspecto, verifica-se íntima ligação entre ética, moral e Direito,
reconhecendo-os como pilares da civilização ocidental, inspirando cada vez mais
estudos, entrelaçando-os constantemente.
No universo das interações sociais, o Direito é uma ordenação de relações interpessoais e, em razão disso, mister se faz compromisso de suas normas com princípios éticos. Funciona, pois o Direito como regulação de conflitos de interesses e de vontades, permitindo com isso a convivência entre pessoas e mesmo a sobrevivência do grupo. (MELO, 2005, p. 3)
O
próprio vocábulo direito, oriundo do
baixo latim, remete àquilo que é reto, probo, ou seja: como um instrumento para
conduzir a sociedade ao justo (a virtude perfeita de Aristóteles),
confundindo-se, portanto ao conceito de ética. O Direito, além de a própria
ciência que estuda o Direito, refere-se ao conjunto de normas de conduta que
devem ser seguidas por todos aqueles que se encontram sob a jurisdição de
determinado ente moderador, ou seja: o Estado.
Temos
aqui, portanto, o ponto crucial de diferenciação entre ética e direito: embora
ambos voltem-se ao dever-ser,
estabelecendo normas universais para o bem de todos, o direito traz em si o
caráter imperativo, onde o Estado obriga a todos que o obedeçam, sob pena de
sanção, proporcional à desobediência, partindo de multas e advertências até a
privação da liberdade, ou mesmo da vida.
É
de conhecimento comum que a norma jurídica tem origem em regras morais, uma vez
que o Direito deve-se mostrar tão vivo quanto a sociedade que rege. Da mesma
forma, o Direito também surge de preceitos éticos:
(...) a própria existência de uma norma é, desde logo, o resultado de uma decisão ética. Num determinado momento, o legislador achou preferível criar uma norma em vez de deixar um espaço vazio, ou decidiu modificar uma norma anterior, alterando o regime existente ou estabelecendo uma exceção. (ARY, 2014, p. 542)
A
ética, enquanto regra universal, também torna-se matéria-prima do Direito,
quando este assume princípios, além do meramente positivado. Este foi um dilema
enfrentado pelos juristas do período positivista, uma vez que este,
desprendendo-se da fundamentação religiosa,
passou de um sistema dinâmico e aberto, para um sistema tendencialmente estático e fechado, justificado pelo duplo mito da racionalidade e segurança jurídica. Este movimento culminou com a “Teoria Pura do Direito” (Reine Rechtslehre) de Hans Kelsen, que marcou profundamente o Direito continental europeu. A ordem jurídica é concebida como um sistema perfeito, pois encontra em si mesmo os seus mecanismos de correcção, e independente porque imune às influências externas contaminadoras de sua racionalidade própria. (ARY, 2014, p. 540-41)
Após
a II Grande Guerra, superada a supremacia do juspositivismo, sobretudo com o
impressionante exemplo do totalitarismo, passou-se a abordar o Direito não
apenas sob o aspecto positivo, mas também sob o aspecto material, readmitindo
os princípios éticos como também protagonistas na busca pelo justo,
assumindo-os como princípios do Direito.
Por
fim, o Direito atrelou-se à ética também no aspecto formal, através de normas
escritas com aspectos de princípios, tendo a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), que refletiu em diversas normas em todo o mundo, como na
Constituição brasileira de 1988. Além disso, há exemplos mais específicos, como
o do decreto Nº 1.171/1994, que positiva o Código de Ética dos Servidores
Públicos do Poder Executivo Federal, sendo, por sua vez, replicado em estados e
municípios. Assim, tornou-se comum haver, ainda que não sob a forma de lei
especificamente, códigos de ética para profissionais de determinadas áreas ou
empresas, mantendo, entre si, pontos cruciais em comum.
REFERÊNCIAS
ARY, ANTÓNIO. Ética e Direito: Que
Diálogo? Revista Portuguesa De
Filosofia, vol. 70, no. 2/3, 2014, p. 539–552. JSTOR.
Disponível em: < www.jstor.org/stable/43151557>. Acesso em: 15 jun. 2019.
GARCIA, Maria. Direito e Ética no Mundo
Contemporâneo. Direito ao Silêncio e o Caso Enron. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. São Paulo, vol.
9/2002, p. 135-151, jan – jun 2002, DTR/2002/552.
______ 3. Ética, Moral e Direito. Escola de Governo. YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=NVdgp7XZl2w>.
Acesso em: 18 jun. 2019.
MELO,
Osvaldo Ferreira de. Ética e Direito. Revista
Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 812, 23 set. 2005.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7324>. Acesso em: 16 jun.
2019.
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