"Happy" (2011) - Resenha


"Happy" (EUA, 2011), disponível na Netflix, trata de um tema caro e comum a todos: a felicidade. Tão comum, aliás, que se tornou "parte do cenário" e, embora todos a busquem, raras vezes paramos para refletir sobre ela. Afinal, o que é a felicidade? É um conceito universal? Relativo? Utópico? Alcançável? Para tal reflexão, a equipe do diretor Roko Belic percorreu diversas partes do mundo, incluindo o Brasil, para conhecer histórias de diferentes pessoas, com as mais diversas culturas e contextos sociais, mas com a ideia de felicidade como elo de ligação. Também temos, eventualmente, a palavra de cientistas que buscam descobrir, metodicamente, como reagimos e lidamos com tal conceito.

Um dado interessante trazido pelos pesquisadores é que, desconstruindo a máxima dinheiro não traz felicidade, os bens materiais podem sim trazê-la, mas quando fornecem as condições mínimas de sobrevivência sem privações básicas: é indiscutível que o dinheiro pode sim trazer felicidade a pessoas em condição de vida miserável, porém, o outro lado da moeda é: uma vez alcançado o patamar de vida digna, o dinheiro passa a ser cada vez menos decisivo na construção de um estado de felicidade. Na verdade, quando em excesso (como tudo em excesso, aliás), pode até mesmo afastar-nos dela. Daí o motivo de pessoas com vidas extremamente simples podem ser tão ou mais felizes quanto milionários em vidas luxuosas.

O filme traz diversos exemplos de pessoas que se sentem plenas ao viver de forma simples e que superaram sérios traumas, o que inspira a ideia de que é preciso refletir sobre qual o melhor ponto de vista adotar, de acordo com seu próprio contexto, afinal, a felicidade não é alcançada com fórmulas gerais, e sim com experiências individuais, embora haja formas de voltar-se a ela com mais eficiência. Assistir ao próprio filme, aliás, já pode ser considerado uma, ao se mostrar uma concreta reflexão sobre o tema. Como afirma um dos especialistas, a felicidade deveria ser encarada como uma habilidade, onde quanto mais se exercita, mais se aperfeiçoa. E tudo começa com o simples pensar (meditar, num dos exemplos mostrados) no vídeo.

O ser humano, não é novidade, é extremamente complexo: um ser coletivo e egoísta ao mesmo tempo, que busca ideais enquanto os obstrui. Talvez isso se dê pelo processo de negação (inconsciente ou não) à sua condição de parte da natureza, iniciado quando do início do sedentarismo, milênios atrás. Negamos mas, como qualquer animal, temos nossos instintos. E um ser social, ainda que com crescente tendência individualista, não poderia se sentir completo senão ao perceber-se integrado a um conjunto. É fácil associar a solidão a casos de depressão e baixa autoestima. A necessidade por integração mostra-se gritante no mundo das redes sociais, onde cada um age como uma espécie de microcelebridade, onde seguidores são de extrema importância, se tornando, inclusive, um lucrativo negócio para muitos.

O conceito americano de vencedor X perdedor é o pai de um estado de competição social sufocante, onde a busca pela excelência, dentro de certos padrões (beleza, status, condição financeira, popularidade, etc) torna-se razão de viver para muitíssimos. Os que não conseguem alcançar certos níveis dentro desses padrões são, desde muito cedo, rejeitados e afastados, através do bullying, dentre outros. Na verdade, nada mais é do que uma versão sofisticada das disputas de poder em qualquer matilha, manada ou bando na natureza. A essência é a mesma: inserir-se nos patamares de destaque. A felicidade seria simplesmente um obedecer de instinto

Mas, a humanidade, ao negar sua natureza para dar lugar a civilidade, criou novos padrões e realidades. Estamos todos conectados em nossa gigantesca matilha, e não é mais preciso ser o mais forte e ameaçador para sobreviver. Hoje há espaço para todo tipo de pessoa viver bem... Desde que desapegue de velhos conceitos. O quão REALMENTE IMPORTANTE é, no contexto atual, ter a conta bancária (ou o perfil na rede social) com pomposos números, considerando-se que o básico (a não-miséria) foi alcançado? Por que usar o outro como referência, ao invés de fechar os olhos e perguntar a si mesmo(a) o que o(a) satisfaz?

Voltando aos instintos animais de todos nós, parece óbvio a qualquer um que manter contato com outras pessoas ajuda a ser mais feliz. Somos civilizados, mas ainda somos os animais sociais de sempre. É preciso sim exercitar a felicidade como quem exercita uma habilidade. Para isso, o esporte continua sendo uma ferramenta eficientíssima: praticando esportes, ainda que numa simples caminhada pela cidade, temos contato com o outro, conhecemos nossos próprios limites, traçamos metas personalizadas e nos sentimos bem quando as superamos. Não é por acaso que casos de depressão e suicídio estão ligadas a pessoas que se sentem sozinhas e deslocadas do "bando", sendo isso, algo perfeitamente contornável, com um pouco de boa vontade.

Países/comunidades como o Butão, citado no documentário, deram um importante passo em direção de uma melhor qualidade de vida, ao adotar o conceito de Felicidade Interna Bruta, abrindo mão de atitudes esperadas na sociedade contemporânea, marcada pela forte competitividade, na direção do crescimento econômico, como já se conhece bem. É preciso ter espaços onde as pessoas se sintam acolhidas e parte de um todo (incluindo a natureza). É preciso combater o workaholicismo que nos força a dedicar a maior parte do tempo e energia ao trabalho e dar as costas à família, importante elemento de segurança e razão de ser desde sempre. Temos os casos de karoshi como exemplo extremo, para visualizar o futuro de toda a humanidade, se não prestar atenção na direção em que está tomando.

Inevitável, para mim, não lembrar, dentre várias, da música Ouro de Tolo, do mestre Raul Seixas. Sua crítica à sociedade moderna e seu modelo universal, em contrapartida ao próprio conceito de felicidade (Eu devia estar contente, porque eu tenho um emprego, sou o dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês), poderia muito bem ser a trilha sonora do documentário. Ainda citando o rei do rock brasileiro, em Quando Acabar o Maluco Sou Eu (Seu Zé, preocupado, anda numa de horror, pois falta um carimbo no seu título de eleitor: quando acabar, o maluco sou eu). Raul passou toda a vida denunciando a cegueira da humanidade em buscar os ideais universais, que não se sabe quem estabeleceu, sufocando o eu interior de cada um, numa caminhada suicida e patética rumo ao nada.

Experimentei um pouco disso em minha carreira musical. Para conquistar um lugar ao sol (o mercado fonográfico) é preciso se fazer conhecer, planejar ações, estratégias e produzir numa velocidade cada vez maior, num mundo onde qualquer coisa já se torna velha em alguns dias. A fadiga foi inevitável e, quando percebi, havia me tornado um escravo do marketing, das redes sociais, dos planejamentos e das frustrações, sem o direito de respirar ou dizer "não" a tudo isso, a ponto de perceber que, mesmo a atividade que alguém mais ame, pode se tornar insuportável quando se busca ideais gerais e não pessoais. É mesmo preciso seguir a louca e incontrolável correnteza ou é possível encontrar outro rio, mais amigável (e identificável) para navegar?

Enfim, este é um documentário necessário a todos. Pode muito bem ser o primeiro passo rumo ao exercício da própria felicidade; o pensar consciente a respeito; o início do exercício. Num universo de pessoas tão vasto, há espaço para todos: não é preciso perseguir cegamente o patamar de vencedor, pois vencer é algo com vários e profundos significados. Cada um é capaz de alcançar sua própria vitória, em seu próprio ritmo, e em sua própria direção. Até que se prove o contrário, só se passa por aqui uma vez, e não é inteligente desperdiçar essa chance com pensamentos e objetivos inúteis, que nos privam de aproveitar esta valiosa oportunidade de estadia. Seja feliz... Do seu próprio jeito!


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