(Clipping) Falta de casas de shows tem prejudicado o desenvolvimento da cena local + Entrevista bônus


Como você acha que a cena cultural independente deveria estar na sua cidade?

Recentemente fui entrevistado pela Revista Gambiarra para falar sobre o cenário alternativo, ou independente local. Esta é uma questão bem complexa que sempre tivemos que dar um jeito de contornar. A DB é um dos que lutam dia após dia para transformar a cultura independente em algo sustentável. Abaixo, você confere a matéria publicada, contendo trechos da entrevista e, ao final, como adoramos falar e sabemos que vocês também gostam de conteúdo, posto a íntegra da minha entrevista. Leia, compartilhe, e veja se a sua cidade também passa por problemas parecidos. O importante é pensar, pensar, pensar, para agir e transformar. Obrigado desde já ao A.J. e toda a equipe da Revista Gambiarra. Play!


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Falta de casas de shows tem prejudicado o desenvolvimento da cena local
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Muitas vezes as bandas não encontram bons lugares e público suficiente para se apresentar na cidade. Músicos e donos de casas de shows refletem sobre esse problema e tentam apontar suas causas e possíveis soluções


Conquista tem bons artistas tocando MPB, hip hop, blues, ragga, os mais diversos tipos de rock… O natural seria que a nossa cena alternativa estivesse mais forte do que nunca, mas não é bem o que acontece. Para algumas bandas, tem sido até melhor tocar em outras cidades do que aqui, onde deveria estar o seu maior público.
O problema é que essas bandas simplesmente não encontram bons espaços para tocar na cidade. Alguns acontecimentos recentes ilustram isso: no meio do ano passado a Casa Fora do Eixo local encerrou suas atividades. Ela logo deu lugar à Casa do Rock – que também fechou as portas menos de sete meses depois. Enquanto isso, o Viela mudava de local e de foco, passando a ser mais bar do que espaço para shows.
O Ice Drink, próximo à prefeitura, vinha demonstrando uma vontade de suprir o vazio deixado pelas outras casas. Mas os problemas com as reclamações por causa do barulho levaram o bar a se despedir do público.
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Interdição do bar Ice Drink – Foto: Rodrigo Ferraz/ Blog do Rodrigo Ferraz
OK, gravar uma música ou adquirir equipamentos é mais fácil hoje em dia. Mas em matéria de condições adequadas para fazer shows, a cena alternativa da cidade não vive o seu melhor momento. “É bem contraditório, já que a população cresce cada vez mais rápido e temos cada vez mais instituições de Ensino Superior por aqui”, analisa I. Malforea, vocalista da Distintivo Blue. “No início dos anos 2000 tínhamos shows de rock praticamente todo fim de semana. Às vezes mais de um, aliás. E de reggae, blues, festivais importantes como o lendário Agosto de Rock, e muito mais lugares para se tocar”.
“Hoje, após um período bastante intenso de shows realizados pelo Fora do Eixo, onde vimos uma espécie de monopolização desses eventos, me parece que os outros produtores se acomodaram e deixaram tudo por conta do coletivo da cidade que, a meu ver, não era muito hábil em tarefas administrativas e técnicas relacionadas a produção de eventos”, prossegue o vocalista. “Este também encolheu e hoje ficou tudo por conta dos próprios artistas mesmo. Quem quiser tocar tem que correr atrás sozinho. O pessoal que fazia shows antigamente está casado e com filhos para criar”.
Muito barulho para pouco público
O Ice Drink esbarrou em problemas estruturais: era necessário ter, entre outras coisas, mais capacidade para comportar público, uma saída de emergência e um isolamento acústico para não ter que ouvir os vizinhos reclamando de barulho. Barulho é uma palavra-chave nesta discussão. Problemas com isso foram a causa do fim da Casa do Rock e também de algumas dores de cabeça para Renato da Silva Soares, dono do Viela.
“O Viela realiza shows numa área comercial e a prefeitura veio exigir um nível de som que não é compatível com uma área desse tipo”, conta Soares. “Apesar de ter um hotel aqui perto, é uma área comercial. Acho que isso teria que ser revisto num zoneamento da cidade para as pessoas conseguirem fazer outras casas interessantes para a cena alternativa. E é difícil conseguir um lugar legal com um espaço bom e uma boa ventilação para poder fazer um show alternativo, porque a cidade ainda está muito conservadora”.
Mas o investimento em um bom lugar é justificado e possibilitado quando existe gente que vá prestigiar o trabalho. E aí está a pior parte: muitas vezes até isso falta. “Eu acho que tem um preconceito tanto de público quanto da sociedade em si em relação às bandas underground”, opina Soares.
A Distintivo Blue chegou a encerrar suas atividades em 2013 por conta desse tipo de dificuldade. Hoje a banda está de volta, mas não foram poucas as vezes em que seus integrantes cogitaram mudar de ramo. “A cidade (não falo só dos espaços, mas do próprio público, que reclama muitas vezes de pagar um ingresso de R$10,00 mas não liga de torrar seu salário numa camisa de festa fechada para ver os mesmos artistas de décadas a fio) acaba por sufocar seus músicos que se importam em fazer um trabalho de melhor qualidade”, lamenta o vocalista Malforea. “Na verdade o Brasil, não só Conquista, apenas finge se importar com cultura, em sua maioria. São vários pesos e várias medidas. Não somos educados para consumir cultura de boa qualidade e construtiva e me parece que pouca gente tem interesse em mudar isso”.
A Distintivo driblou essa falta de público de Conquista indo tocar em outros lugares, onde muitas vezes seu trabalho é até mais reconhecido. A Social Freak seguiu o mesmo caminho. “Em meio ao cenário atual da cidade a gente teve que procurar, com muito mais intensidade do que antes, shows fora da cidade, por meio de contatos e visitas a casas de shows, sempre mostrando o nosso trabalho”, explica Leonardo Araújo, guitarrista da banda. “Para isso a gente vem trabalhando em nosso material, para também conseguir patrocínios que nos ajudem com despesas de transporte, hospedagem e outras coisas”.
Leonardo Araújo em show no Bar Ice Drink/ Foto: Rafael Flores

Leonardo Araújo em show da Social Freak no Bar Ice Drink/ Foto: Rafael Flores
Leonardo sente que muitas bandas da cidade estão menos ativas nos últimos meses. “Eu penso que bandas sobrevivem com shows, tanto para divulgação do trabalho quanto para a própria motivação dos músicos”, afirma o guitarrista. “Sem espaço para apresentações, não existe o contato entre artistas e público que, particularmente, eu considero a melhor sensação que existe na vida dos músicos”.
A Distintivo Blue concluiu que a única saída realmente eficaz para eles seria ir embora de Conquista – e por isso eles já têm o plano de se mudar para São Paulo ou Curitiba depois da gravação dos seus dois próximos EPs de estúdio, previstos para este ano. “Não dá para remar contra a correnteza a vida toda. Temos de ir aonde nos querem de verdade”, diz Malforea.
Antes mesmo dessa mudança, a banda decidiu investir numa espécie de subdivisão interna. A Distintivo segue com seu trabalho normalmente, mas além dela existem agora três subformações com outros estilos para que os músicos consigam alcançar espaços diferentes daqueles aos quais estavam acostumados e consigam viver apenas do seu som. A aceitação em barzinhos tem sido boa e até o número de CDs vendidos é maior que nos shows convencionais. “Estamos fazendo esse laboratório aqui para aplicar onde quer que formos”, conta Malforea. “O nome da banda circula e pode até acontecer de a DB tocar no mesmo horário em lugares diferentes, com repertórios diferentes. Assim não nos limitamos a tocar só de uma forma e para um tipo de público”.
“A nossa cena é a melhor”
Ailton Flores, dono do recém-fechado Ice Drink, considera essencial que os locais para shows se tornem mais adequados, passando a oferecer mais segurança e conforto. Mas a questão principal é que não se aposta na cena alternativa da cidade. “Falta alguém que tenha coragem de investir nessa área”, afirma ele. “As casas de shows de Conquista geralmente trabalham com uns eventos mais populares e não tentam investir no alternativo. Eu acho que é esse o problema, não é nem a questão de falta de local. É falta de alguém que invista na área alternativa”.
Princípio Ativo tocando no Grito Rock Guanambi 2014. Foto: Jessica Sueli
Princípio Ativo tocando no Grito Rock Guanambi 2014. Foto: Jessica Sueli
Vitor Quadros, baixista da Princípio Ativo, também acha que o que falta não são exatamente os espaços – faltam espaços melhores. “Não sei se a concha do Centro de Cultura também está interditada, mas de qualquer forma, o limite de horário é somente ate ás 22, 23 horas no máximo, o que inviabiliza”, observa o músico. “O teatro Carlos Jehovah provavelmente ainda não está receptivo a shows de rock – teve um período em que, lamentavelmente, o público depredava o local e as lojas vizinhas”.
Mas ele também vê o desinteresse do público como um fato. “Acho bom ter show toda semana, mas Conquista ainda não tem público para isso”, avalia Vitor. “O que falta é que se liguem que a nossa cena é a melhor! Tem banda boa pra quase todo gosto. E se quiser ter show e caso não queira fazer, apoie! Vá aos shows, compre material das bandas e as divulgue”.


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Exclusivo DistintivoBlue.com: Íntegra da entrevista com I. Malforea, por A.J. Oliveira (Revista Gambiarra)


I. Malforea, vocalista da Distintivo Blue. Foto: Emerson Marvin

Revista Gambiarra: Quais são as consequências diretas dessa falta de espaços para a Distintivo Blue?

I. Malforea: Imagino que as mesmas de qualquer outra banda ou artista de estilo não adotado pela grande mídia: a cidade (não falo só dos espaços, mas do próprio público, que reclama muitas vezes de pagar um cachê de R$10,00, mas não liga de torrar seu salário numa camisa de festa fechada, para ver os mesmos artistas de décadas a fio) acaba por sufocar seus músicos que se importam em fazer um trabalho de melhor qualidade. Muitas vezes pensamos se devemos mesmo continuar ou mudar de ramo (como já fizemos uma vez, em 2013, quando decidimos encerrar nossas atividades), como, por exemplo, tentar concursos públicos. É muito triste ter uma habilidade que é útil para a sociedade e feita de forma sincera, mas ser tão difícil viver dela. Na verdade o Brasil, não só Conquista, apenas finge se importar com cultura, em sua maioria. São vários pesos e várias medidas. Não somos educados para consumir cultura de boa qualidade e construtiva e me parece que pouca gente tem interesse em mudar isso.


RG: O cenário de Conquista antigamente era melhor para as bandas nesse sentido? Por quê?

IM: Sim, o que é bem contraditório, já que a população cresce cada vez mais rápido e temos cada vez mais instituições de Ensino Superior por aqui. No início dos anos 2000 tínhamos shows de rock praticamente todo fim de semana. Às vezes mais de um, aliás. E de reggae, blues, festivais importantes, como o lendário Agosto de Rock, e muito mais lugares para se tocar. Na pior das hipóteses ainda tínhamos o Paraki, onde podíamos passar a noite ouvindo música boa e dando risada com os amigos. Hoje, após um período bastante intenso de shows realizados pelo Fora do Eixo, onde vimos uma espécie de monopolização desses eventos, me parece que os outros produtores se acomodaram e deixaram tudo por conta do Coletivo da cidade que, a meu ver, não era muito hábil em tarefas administrativas e técnicas relacionadas a produção de eventos. Este também encolheu e hoje ficou tudo por conta dos próprios artistas mesmo. Quem quiser tocar, tem que correr atrás sozinho. O pessoal que fazia shows antigamente está casado e com filhos para criar hoje.


RG: O que você acha poderia ser feito para solucionar o problema da falta de espaço?

IM: É muito complicado isso. Eu sou artista, mas também já fui dono de estabelecimento. É um problema crônico, que envolve profissionalismo, amadorismo por parte de artistas e produtores e o resgate da ideia de que cultura é um produto que deve se sustentar. O público me parece totalmente apático, com pouca ou sem nenhuma iniciativa. Parece que hoje tanto faz beber (e sujar) na praça da Normal, ou ir a um bom show. Não entendo, realmente, o porquê desta nova geração ser tão apática. Como dono de estabelecimento eu já desisti desde o final de 2009, quando vendi minha parte da sociedade no Viela. Como produtor, eu agora me resumo a produtor da minha própria banda mesmo. É muito cansativo fazer cultura em Conquista. Como artista, eu estou correndo atrás, com meus companheiros de banda. Eu só sei de uma coisa: nós somos muito mais reconhecidos fora de Conquista, ou da Bahia, do que aqui. Nem se compara. Então, por que continuar aqui?


RG: O que a Distintivo Blue faz para superar isso?

IM: Bom, estamos com o plano de nos mudar para São Paulo ou Curitiba o mais rápido possível. Para isso montamos um plano de atuação para sobrevivermos apenas do nosso trabalho de músicos: subdividimos a banda em equipes, chamadas DBJoes: além da banda normal, existem três subformações (DBJoes Diglett Force, DBJoes Acoustic Alchemy e DBJoes Samba Feeling) que usamos para alcançar espaços até então inimagináveis para a gente. Como somos uma banda de pesquisadores, é uma forma de crescer também. Já estamos tocando em barzinhos onde o público é totalmente diferente do que estamos acostumados e a aceitação tem sido boa. Sempre vendemos muitos Cds (mais do que em shows convencionais, aliás) e distribuímos nossa zine, a BLUEZinada!. Estamos fazendo esse laboratório aqui para aplicar onde quer que formos. O nome da banda circula e pode até acontecer de a DB tocar no mesmo horário em lugares diferentes, com repertórios diferentes. Assim não nos limitamos a tocar só de uma forma e para um tipo de público. Estaremos por aqui até gravarmos os dois próximos EPs de estúdio, previstos para este ano. Resumindo, para superar isso, vamos ter de ir embora mesmo. Não dá para remar contra a correnteza a vida toda. Temos de ir onde nos querem de verdade. É uma questão de sobrevivência, afinal, o tempo não perdoa os apáticos.

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