Clapton está doente: os dilemas do músico e o tempo


A internet ficou abarrotada, na última semana, de manchetes sobre a revelação do deus da guitarra, Eric Clapton, de seu sofrimento por conta de uma neuropatia periférica, doença que afeta os nervos dos membros superiores e inferiores e prejudicam o movimento das extremidades, como pés e mãos. Para um guitarrista, é um golpe certeiro, que pode se agravar em vários outros problemas, como a depressão.

Mas, este texto não é mais um escrito apenas para lhe contar desta novidade: o assunto aqui é a ação do tempo sobre os músicos. O próprio Clapton já disse, em sua autobiografia, que escapou da morte várias vezes, e que estar por aqui nos dias de hoje é um bônus. Fato: o tempo é cruel, não perdoa ninguém e cobra com juros tudo o que fizemos durante a vida. O músico geralmente é um ser de luz que trabalha com o que ama, ao contrário de grande parte da humanidade. Digo por experiência própria: depois que passei a ser apenas músico, acabou-se aquela sensação de "estou perdendo minha vida nesta droga de trabalho. Poderia estar fazendo algo realmente interessante agora". O trabalho e o hobby se tornaram um só. O trabalho é a terapia.

Mas, esse trabalho mágico também tem seu lado nocivo: a mais evidente é a constante exposição a grandes quantidades de decibéis por longos períodos de tempo, o que é a raiz dos problemas relacionados à audição. Um exemplo recente e próximo é o do vocalista Rogério Flausino, que descobriu ter perdido, aos 35 anos, cerca de 30% de sua audição pelo constante uso do retorno por fones. Uma maravilha tecnológica que cobra seu preço. O cara é "jovem ainda, jovem ainda" e já se deparou com os primeiros problemas que o tempo e a profissão trazem.

Existem também aqueles problemas que os próprios músicos trazem para si. As drogas, bebidas, cigarro, noites perdidas e falta de preparação física (como a preparação vocal ou o próprio sedentarismo, por exemplo) são clássicos. Meu maior exemplo é o de Raul Seixas, minha maior influência musical brasileira, em 1989, visivelmente debilitado, possivelmente bêbado, em entrevista ao Jô Soares. Morreria pouco tempo depois, em consequência de sua pancreatite agravada pela sua vida de excessos. Neste caso a lista de ícones que se auto-destruíram é gigantesca. Curiosamente, mesmo com tantos exemplos, ainda se cultua essa aura "mágica" de que música é sinônimo disso, e que só se pode viver plenamente dessa forma. Bom, cada um decide o que é melhor para si.


Sempre tive medo de um dia perder minha voz ou a capacidade de escrever. Seria terrivelmente frustrante e não sei como ou se conseguiria dar a volta por cima. Robert Plant e Axl Rose são duas grandes influências minhas que não chegaram a esse extremo, mas experimentam um pouco dele todos os dias: Plant simplesmente foi eleito a maior voz do rock n' roll, de todos os tempos (você pode concordar ou não, mas não dá para negar que ele está entre as maiores sim), e Axl, bem... Não é mais aquele garoto que cantava rasgado, agudo e correndo feito um maluco de lá para cá. Ao meu ver, ambos nunca se preocuparam muito em cuidar da própria voz, e você pode até dizer que se o tivessem feito, não seriam o que foram. Discordo: há sim alguns cuidados possíveis, sem deixar de ser o "deus dourado" ou o bad boy número 1 do final dos anos 80.

Plant visivelmente sabe que não consegue mais ser 30% do que já foi, e foi maduro: mudou sua forma de cantar e alterou os tons das músicas quando da reunião do Led Zeppelin na arena O2, em 2007 (aos 59 anos). Já Axl parece ainda não ter digerido bem a ideia de que tem 54 anos e está muito acima do peso que tinha em 1990: como vocalista, acabo sofrendo junto ao vê-lo agonizar para cantar nos tons originais, nos vídeos da internet. A mesma impressão que tive aos ver os últimos momentos do Edu Falaschi com o Angra. Para que se autoflagelar desse jeito? Apenas para não dar o braço a torcer? A carreira de Janis Joplin foi bastante curta, mas hoje certamente não teria 10% da sua voz se não tivesse se autodestruído, em 1970.

Phil Collins já se aposentou uma vez, quando percebeu não ser mais capaz de tocar sua bateria como antes, além do problema da audição. Não aguentou e voltou a se apresentar. Claro! Ele ama a música. Não dá para simplesmente parar de fazer o que fez por toda uma longa vida, com amor. Isso só me remente ao Brian Johnson, do AC/DC, substituído recentemente por um Axl Rose que parece ter finalmente resolvido se cuidar. Pense no quão dura deve ter sido a decisão de sair dos palcos: é sair ou ficar surdo! Daí para a depressão é um pulo!

A música é uma força sobrenatural que acompanha o músico 24h por dia até o fim de sua vida. Se ver separado dela é o maior pesadelo de todos. É esse "vício" que faz pessoas como B.B. King tocarem até morrer, mesmo que não aguentem sequer ficar de pé no palco. Essa é a explicação para aqueles que perguntavam, até pouco tempo atrás: "Como ele ainda insiste em se apresentar? Ele nem consegue tocar, escutar ou cantar mais". Não o culpe nem o condene. Ele PRECISAVA disso para continuar vivo. Fizeram uma tremenda grosseria com o rei do blues, vaiando-o num dos seus últimos shows, por esse motivo. Vale mesmo a pena vaiar uma lenda viva (à época, claro) que apenas está tentando ser quem sempre foi?

Enfim, o tempo não perdoa e cobra com juros tudo o que fizemos durante a vida. Provavelmente Clapton passará por momentos em que mentes maldosas ou que não se dão o trabalho de se colocar no lugar do próximo dirão coisas desagradáveis, mas lembre-se que a música é seu oxigênio. Sem ela, ele perde a razão de estar vivo. O fim é sempre sofrido, mas algumas atitudes podem amenizar sua ação, dando algum tempo extra. Chegar à velhice e encarar seus problemas típicos é natural, ainda que doloroso, mas ser impedido de fazer o que ama ANTES de chegar a ela, é sim mais terrível ainda. O que será de Flausino aos 60 anos? Cuide-se, amigo(a). Não é algo tão difícil assim de se fazer e pode compensar muito no futuro.

Este texto saiu primeiro no Troca o Disco.



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