Resenha: 12 homens e uma sentença (1957)

Joseph Sweeney (1884-1963) como o 9º jurado (McCardle)

A película 12 homens e uma sentença (12 Angry Men, título original, em inglês) marcou a estreia do diretor Sidney Lumet (1924-2011) como diretor cinematográfico. Com um orçamento baixo (US$ 340.000,00) conseguiu deixar seu nome na história mundial da sétima arte com uma narrativa muito bem-escrita, onde praticamente todo o desenrolar se passa numa sala de júri, em Nova Iorque. Designado para julgar um caso de possível assassinato de um homem por seu filho, numa casa situada em bairro periférico, o grupo de 12 típicos cidadãos americanos do final da década de 50 monta uma desconcertante fotografia da mentalidade do período.
11 anos após os julgamentos de Nuremberg, é possível notar o interesse popular por casos jurídicos, o que, em parte, explica o sucesso desta trama. Na sala do júri estão doze homens gozando um esperado período de prosperidade no país pós-II Guerra: há empreendedores, bacharéis e pessoas comuns, que parecem se importar apenas com o próprio umbigo (como a personagem “jurado Nº 7”, que claramente demonstrava nenhum interesse em cumprir seu papel, e sim em assistir a um jogo), reforçando estereótipos amplamente explorados posteriormente, especialmente por humoristas, abordando o cidadão-médio americano, altamente influenciável pela mídia e egoísta, o Average Joe.
O drama policial, consideravelmente claustrofóbico ao situar o espectador num cenário minúsculo (uma bela vantagem, do ponto de vista orçamentário, mas um gigantesco desafio, do ponto de vista roteirístico), onde os próprios personagens demonstram desejo de finalizar os trabalhos o mais rápido possível, para serem liberados, tem agravado este aspecto ao se inserir os elementos tempestade e calor (levando o espectador a uma verdadeira imersão ao cenário), o que serve de ponte para a reflexão lançada pelo jurado Nº 8: ainda que a situação fosse desconfortável, era preciso ter em mente que a vida de um ser humano estava em jogo e, conforme a fala do juiz, “uma enorme responsabilidade caía sobre seus ombros”. Entre as orientações estava a de que a decisão deveria ser unânime.
Enquanto a grande maioria cedeu às tentações de simplesmente acreditar nas evidências de culpa apresentadas, sem racionalizar sobre elas, decidindo arbitrariamente pela culpa do acusado (um garoto com histórico comprometedor, o que contribuiu para naturalizar tal atitude dos jurados), o jurado Nº 8 (Henry Fonda) apresentou grande preocupação em não cometer equívocos que possivelmente custariam a vida de um inocente, propondo análises aprofundadas das evidências, gerando revolta por parte de alguns e dúvidas sinceras por outros.
Baseado claramente no princípio da presunção da inocência, apresentou contestações lógicas e novas hipóteses acerca de cada argumento em favor da condenação, fazendo com que cada personagem externasse sua bagagem cultural e de vivência, escancarando a forma como cada um, de acordo com suas particularidades, poderia contribuir para a condenação à morte de um possível inocente. Importante destacar sua posição, não demonstrando acreditar cegamente na inocência do réu, mas apontando brechas em cada argumento e prova, preferindo se posicionar em favor da inocência, considerando suas percepções, que se esforçou em demonstrar para convencer os demais.
A presunção de inocência está presente no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, refletindo o enorme impacto causado pelos regimes fascistas que culminaram na II Grande Guerra. Tais regimes, classificados por Hannah Arendt como totalitários, tinham por característica a forte opressão física e psicológica dos cidadãos, submetendo-os a abusos e grande violência, muitas vezes sem qualquer razão lógica aparente, fortalecendo o sentimento de terror generalizado, intimidando quaisquer intenções de resistência, culminando nas atrocidades descobertas nos campos de extermínio. O mesmo se verificou do outro lado, sobretudo no território soviético.
No Brasil, tal princípio também foi explicitado no artigo 5º, LVII, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também em resposta às duas décadas de regime militar no país, onde direitos humanos também foram violados, ainda que em escala menor que a anteriormente citada. Hoje é comum afirmar que a presunção de inocência é característica fundamental dos Estados Democráticos de Direito, onde condenações injustas e precipitadas devem ser combatidas e desencorajadas. Tal intenção deve ser sempre alimentada, uma vez que a aplicação da presunção de inocência constitui uma ação contrária ao instinto natural de reagir rapidamente a uma situação negativa. Exemplo clássico é o de um suspeito ser prematuramente “condenado” pela imprensa, instigando, na população, geralmente adepta do mesmo modo de pensar dos jurados no filme (intencionalmente passando a ideia de que “qualquer um poderia estar no lugar deles, na trama”), revolta, resultando muitas vezes em desfechos trágicos e equivocados, sem possibilidade de reparação.
É preciso atentar para certos aspectos ao se abordar uma obra estrangeira à luz do Direito brasileiro, uma vez que a condenação do réu implicaria na pena de morte, somente possível no Brasil em caso de guerra declarada, de acordo com o artigo 5º, XLVII, a) da Constituição Federal. Também a instituição do tribunal popular é citada por um dos personagens como possível inclusive para questões de crimes menores, como furto ou roubo, enquanto que no Brasil somente é permitido pela Constituição em casos de crimes dolosos contra a vida, conforme o artigo 5º, XXXVIII, b). No caso em questão, não foram abordados mais detalhes acerca do sistema jurídico local para fins de comparação.
Após vasta e acalorada discussão, o grupo de jurados decidiu, unanimemente, considerar o réu como inocente, sendo mostrado apenas o momento de saída da sala e do fórum, não sendo revelado o resultado de sua decisão: levantou-se a questão ética acerca da responsabilidade de se decidir sobre a vida de uma pessoa, e das questões hermenêuticas de se interpretar as evidências de forma crítica, indo além do óbvio, inclusive levantando questões da psicologia. Ficou por conta do espectador decidir se o réu foi inocentado de forma justa ou se um criminoso foi, no fim das contas, inocentado.
A mensagem geral passada foi a de que é preciso tratar com frieza certas questões, abrindo mão de mesquinharias pessoais e agindo com civilidade, fazendo jus aos princípios defendidos pelo Estado sob o qual se vive. Esta, apesar de ser uma obra atemporal, também diz muito sobre o seu tempo, onde certa gama de preconceitos era amplamente difundida, onde as artes (sobretudo o cinema e a música) tiveram papel fundamental no processo de mudança de postura social. As indústrias do cinema e da música conseguiram, com obras como esta, abranger não apenas o território dos Estados Unidos, mas todo o planeta, culminando em profundas transformações, ainda hoje ocupando grande espaço de debate.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

12 Angry Men (1957 film). Wikipedia. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/12_Angry_Men_(1957_film)>. Acesso em: 30 nov. 2018.
12 homens e uma sentença. Direção de Sidney Lumet. Estados Unidos: Orion-Nova Productions, 1957. 1 DVD (96 min).
12 homens e uma sentença. Adoro Cinema. Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-4063/>. Acesso em: 30 nov. 2018.
BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 30 nov. 2018.
CAMELO, Claudia Mara Rodrigues. O tribunal do júri no Brasil. Conteúdo Jurídico. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,tribunal-do-juri-no-brasil-o-povo-no-crivo-da-decisao-judicial,37180.html>. Acesso em: 30 nov. 2018.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Presunção de inocência: direito fundamental e princípio constitucional no Brasil. Jota. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/diretos-humanos-e-constituicao/presuncao-de-inocencia-direito-fundamental-e-principio-constitucional-no-brasil-04042018>. Acesso em: 30 nov. 2018.
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.html>. Acesso em: 30 nov. 2018.
VIANNA, Túlio. Presunção de Inocência - Curso de Princípios Constitucionais do Processo Penal - Prof. Túlio Vianna. YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5usLLGpJCug>. Acesso em: 30 nov. 2018.

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